nada mais

a luz fraca de agora
clareia outros sentidos
e o carinho redobrado
e o caminho desdobrado
revela minha devoção
meu coração é todo seu
e nada mais importa.

sem saber...

tantas linhas e continuo sem saber escrever.

notícias de uma briga particular

quanto mais tenho domínio sobre a realidade que me rodeia, mais longe estou dela.

castro alves

o navio negreiro

stamos em pleno mar... doudo no espaço
brinca o luar - dourada borboleta;
e as vagas após ele correm... cansam
como turba de infantes inquieta.

stamos em pleno mar... do firmamento
os astros saltam como espumas de ouro...
o mar em troca acende as ardentias,
- constelações do líquido tesouro...

stamos em pleno mar... dois infinitos
ali se estreitam num abraço insano,
azuis, dourados, plácidos, sublimes...
qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

não carrego a lua nova na mão

levo um abraço pra capital
pacote de esperança
vanguarda de sonhos
e lamentos
para que assim
lavremos na nossa terra
os fetos mortos
de nossos pais.

a cada ponto de partida

de um estado pra outro
de um mundo a outro
um sonho noutro sonho.

não querendo sair dalí
inconscientemente
relaxo por ainda ter meia hora.

um amor eterno
que colhe pistas
e descobre horizontes.

assim
num pulo
já aqui
dentro de tudo que cabe em mim
suspiros.

onde me levará essa louca brincadeira?

e a vida brinca
faz bagunça
esconde as peças do jogo.

e com a mesma rapidez que tira
dá bônus de sorte
continue...

o que temos para hoje

pode fazer associações livremente
mas por favor
não deturpe o que digo
a partir
do momento que você diz
as palavras passam a ser suas.

hilda hilst

PRELÚDIOS INTENSOS PARA OS DESMEMORIADOS DO AMOR

I

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura de desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute

Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento,
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jugo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. de delicadeza

pelo que poderia ser...

busco em outros braços
seus abraços
pelo meu ponto de vista
onde sou
pelo seu
onde estou
assim pelo que é
não pelo que poderia ser.

pra outros fins

sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
sem drama
eu tô aqui!

atrai e não acusa

tendo espaço
nos sentimos livres
pra fluir

eis-me aqui

assim
quase nua
quase crua
aberta como um espelho
filmarei os laços e embaraços
dos seus braços
meus abraços
pano
pele

perdón corazón

porque he pintado las paredes de color verde y las mantas de color rojo. mi intención fue colorear nuestros sueños. a menudo, la verdad está más allá de la voluntad.

com lágrimas

recobra-se. recobra-se e assim relata em seu diário, feito uma adolescente, o que reconheceu em um espelho humano. incrivelmente humanoum marco de poucas linhas e muito sentido. sentidosim, profundamente sentido.

ontem

ao acordar de sonhos tristes
tenho os pés frios
hoje

levemente leve

por ter sorte no amor
eu te conquistei
e a nossa história
escrevemos
com bico de pena
tinta de sangue
na epiderme
marcada
lentamente

boa viagem

e quando coisa perdida
cobra-se o valor
recobra-o
frio que precede
medo que encoraja
arrepio
reconhecido martírio
vem do fundo
como um rio
assim bem sentido
de passagem

carlos drummond de andrade

(em "América", de 1945, poema publicado em "A Rosa do Povo").

"Sou apenas um homem.
Um homem pequeno à beira de um rio.
Vejo as águas que passam e não as compreendo.
Sei apenas que é noite porque me chamam de casa.
Vi que amanheceu porque os galos cantaram.
Como poderia compreender-te, América?
É muito difícil.
Passo a mão na cabeça que vai embranquecer.
O rosto denuncia certa experiência.
A mão escreveu tanto, e não sabe contar!

A boca também não sabe.
Os olhos sabem – e calam-se.
Ai, América, só suspirando.
Suspiro brando, que pelos ares vai se exalando.

Lembro alguns homens que me acompanhavam e hoje não me acompanham.
Inútil chamá-los: o vento, as doenças, o simples tempo
dispersaram esses velhos amigos em pequenos cemitérios do interior,
por trás de cordilheiras ou dentro do mar.
Eles me ajudariam, América, neste momento
de tímida conversa de amor.

Ah, por que tocar em cordilheiras e oceanos!
Sou tão pequeno (sou apenas um homem)
e verdadeiramente só conheço minha terra natal,
dois ou três bois, o caminho da roça,
alguns versos que li há tempos, alguns rostos que contemplei.
Nada conto do ar e da água, do mineral e da folha,
ignoro profundamente a natureza humana
e acho que não devia falar nessas coisas.

Uma rua começa em Itabira, que vai dar no meu coração.
Nessa rua passam meus pais, meus tios, a preta que me criou.
Passa também uma escola – o mapa -, o mundo de todas as cores.
Sei que há países roxos, ilhas brancas, promontórios azuis.
A terra é mais colorida do que redonda, os nomes gravam-se
em amarelo, em vermelho, em preto, no fundo cinza da infância.
América, muitas vezes viajei nas tuas tintas.
Sempre me perdia, não era fácil voltar.
O navio estava na sala.
Como rodava!

As cores foram murchando, ficou apenas o tom escuro, no mundo escuro.
Uma rua começa em Itabira, que vai dar em qualquer ponto da terra.
Nessa rua passam chineses, índios, negros, mexicanos, turcos, uruguaios.
Seus passos urgentes ressoam na pedra,
ressoam em mim.
Pisado por todos, como sorrir, pedir que sejam felizes?
Sou apenas uma rua
numa cidadezinha de Minas
humilde caminho da América.

Ainda bem que a noite baixou: é mais simples conversar à noite.
Muitas palavras já nem precisam ser ditas.
Há o indistinto mover de lábios no galpão, há sobretudo silêncio,
certo cheiro de erva, menos dureza nas coisas,
violas sobem até à lua, e elas cantam melhor do que eu.

Canto uma canção,
de viola ou banjo,
dentes cerrados,
alma entreaberta,
decanta a memória,
do tempo mais fundo
quando não havia
nem casa nem rês
e tudo era rio,
era cobra e onça,
não havia lanterna
e nem diamante,
não havia nada.
Só o primeiro cão,
em frente do homem
cheirando o futuro.
Os dois se reparam,
se julgam, se pesam,
e o carinho mudo
corta a solidão.
Canta uma canção
no ermo continente,
baixo, não te exaltes.
Olha ao pé do fogo
homens agachados
esperando comida.
Como a barba cresce,
como as mãos são duras,
negras de cansaço.
Canta a estela maia,
reza ao deus do milho,
mergulha no sonho
anterior às artes,
quando a forma hesita
em consubstanciar-se
Canta os elementos
em busca de forma.
Entretanto a vida
elege semblante.
Olha: uma cidade.
Quem a viu nascer?
O sono dos homens
após tanto esforço
tem frio de morte.
Não vás acordá-los,
se é que estão dormindo.

Tantas cidades no mapa…Nenhuma, porém, tem mil anos.
E as mais novas, que pena: nem sempre são as mais lindas.
Como fazer uma cidade? Com que elementos tecê-la? Quantos fogos terá?
Nunca se sabe, as cidades crescem,
mergulham no campo, tornam a aparecer.
O ouro as forma e dissolve, restam navetas de ouro.
Ver tudo isso do alto: a ponte onde passam soldados
(que vão esmagar a última revolução)
o pouso onde trocar de animal; a cruz marcando o encontro dos valentes;
a pequena fábrica de chapéus; a professora que tinha sardas…
Esses pedaços de ti, América, partiram-se na minha mão.
A criação espantada
não sabe juntá-los.

Contaram-me que também há desertos,
E plantas tristes, animais confusos, ainda não completamente determinados.
Certos homens vão de país em país procurando um metal raro
ou distribuindo palavras.
Certas mulheres são tão desesperadamente formosas que é impossível
não comer-lhe os retratos e não proclamá-las demônios.

Há vozes no rádio e no interior das árvores,
cabogramas, vitrolas e tiros.
Que barulho na noite,
que solidão!
Esta solidão da América… Ermo e cidade grande se espreitando.
Vozes do tempo colonial irrompem nas modernas canções,
e o barranqueiro do Rio São Francisco
- esse homem silencioso, na última luz da tarde,
junto à cabeça majestosa do cavalo de proa imobilizado
contempla num pedaço de jornal a iara vulcânica da Broadway.
O sentimento da mata e da ilha
perdura em meus filhos que não amanheceram de todo
e têm medo da noite, do espaço e da morte.
Solidão de milhões de corpos nas casas, nas minas, no ar.
Mas de cada peito nasce um vacilante, pálido amor,
procura desajeitada de mão, desejo de ajudar,
carta posta no correio, sono que custa a chegar
porque na cadeira elétrica um homem (que não conhecemos) morreu.

Portanto, é possível distribuir minha solidão, torná-la meio de conhecimento.
Portanto, solidão é palavra de amor.
Não é mais um crime, um vício, o desencanto das coisas.
Ela fixa no tempo a memória
ou o pressentimento ou a ânsia
de outros homens que a pé, a cavalo, de avião ou barco,
percorrem teus caminhos, América.
Estes homens estão silenciosos mas sorriem de tanto sofrimento dominado.
Sou apenas o sorriso
na face de um homem calado."

ser por ser

não existem amarras
é a pura vontade de realizar 
que nos une

não existem empecilhos
é o puro desejo de compartilhar
que nos move

não existem cobranças
é o puro prazer de satisfazer
que nos envolve

não existem erros
é a pura necessidade de ser
que nos encoraja

e estamos
e vamos
e somos
bem mais que pensamos
sermos

é quando descubro toda a bondade

confesso que fui ao céu quando conversamos. me apaixonei quando escutei suas primeiras palavras de compreensão e aceitação. ver seus olhos brilharem com minhas ideias e ainda complementá-las com as suas foi realmente encorajador. confesso que sonho alto, mas sou fraca e meus atos mostram falhas ancestrais. confesso que nosso pacto foi um alívio, uma forma de protestar contra mim mesma. um clamor de esperança em dias melhores não só pra mim. confesso que as piores lembranças vem das melhores e por isso vou em frente nessas longas noites de inverno.

dá o mote, poeta!

dentro da solidão que tanto falas
fecho o rico peito e vou com pesar
olho em volta toda essa discórdia
que insiste malvadamente se instalar.

vem a raiva inimiga dos tontos calmos
pega carona senta na janela e pede um atalho
salta na esquina do longo engarrafamento
deixa meu rumo sem um pingo de paradeiro.

dias tristes estes do solitário
que se engasga em goles de fogo alto
sopra fumaças verdes de enxofre
finge inconsciente que é o rei da corte.

isso não é drama tampouco gana

queima o peito tal qual a fama
é inconsequente feito adolescente
tem a alma dos sobreviventes.

bailarei altas horas sem temer que seja em vão

entre as palavras ditas com gratidão
e as súplicas por um pouco de mansidão
minhas fraquesas encobertas por rugas na face
não me esquivarão de tal provação.


dias virão antes que eu me programe
e eu serei tudo o que organizei até hoje
com a certeza incerta de estar onde estou
da mesma maneira que ontem escolhi não estar.


basta soltar um arroto voluntário para que tudo se desfaça

e um pouco de surpresa para que me sinta uma fortaleza
as cordas de outrora apoiarão meus pés trêmulos dessa ocasião
e os suspiros não tão cedo me aliviarão.


a luta segue pelos barrancos que meus impulsos escolheram

e o futuro de ontem já é o então.

mofo

algo me segura
e me aprofunda
diante de fatos
e outros passos.
dormir e acordar
ruminar e vomitar
espera de anteontem
ainda hoje.
recordações
projeções
montão de lixo
amontoado.
tem latinha aí?
deixa que eu amasso.

... já anuncia o trovão

sem fogos de artificio
nem algodão doce colorido
no céu vejo o real arrepio
desse frio espinhal.

na cadênia forte
dessas nuvens carregadas
sopra choro, venta frio
muito mais que calafrio.

é melhor chorar
é melhor chorar
e muito soluçar
chegará qual raio...

eu tenho tempo pra ti

na minha mente
não existe tempo
eu posso lembrar
um acontecimento
de ontem
ou
de 10 anos antes
e vive-lo
com a mesma intensidade
agora.

o tempo acelera

passa rápido
meus pés correm
tentam acompanhar
fracassam
ficam para trás
mesmo assim
continuam a caminhada
chutando pedras
tropeçando
e deixando trilhas
que o vento apaga.

deixo passar, deixo passar...

e quando tudo flui
muita coisa se perde.

me conta algo de ti?

o que te fez amar?

"sinto amores

e ódios repentinos
por você."

"perto de você

me calo
tudo penso
nada falo
tenho medo de chorar."

em suas mãos

o meu coração
porque eu não sei
dissociar
isso
daquilo.

nelson rodrigues

"o meu sentimentalismo é tão grande que chega a ser ridículo"

milton nascimento e márcio borges

a sede do peixe (para o que não tem solução)

"para o que o suor não me deu
o fogo do amor ensinou
ser o barro embaixo do sol
ser chuva lavrando o sertão
qual aleijadinho de sabará
e a semente das bananas
para o que não tem solução
a sede do peixe ensinou
não me vale a água do mar
nem vinho, nem glória, navio
nem o sal da língua que beija o frio
nem ao menos toda a raiva
para o que não tem mais razão
a calma do louco ensinou
a dizer nada
para o que não tem mais nada
a calma do louco ensinou
a dizer razão"

emily dickinson

"rede ao vento
se torce de saudade
sem você dentro."

um cano fumegante

não forje
o tiro é certo
e é no pescoço.

eu me canso
quando danço
e isso é muito sério.

reclamações fora de hora 
servem pra testar
o paladar.

quando a conta chega
e é cara
tudo em seu lugar.

depois de ter vivido o óbvio
eu vou sem me preocupar
a mediocridade não cabe mais.

nos encontros desajeitados
eu vejo atos grandiosos
e provas de amor.





quem sabe?

...ninguém...
nem eu
e
nem você

aquele osso ainda vai ser roído e isso é doído

te quero sã e salva de tudo isso que te corroeu
e um almoço bem quentinho pra te fortalecer
muitos beijinhos de boa noite e um leite bem fresquinho
andar de mãos dadas e comprar sorvete na padaria
escutar seus passinhos arrastados pelo chão
e suas histórias tomando sol no banquinho do quintal
quero rir junto de ti das maluquices dos nossos amores
e assistir a mais linda história de herói e mocinha que já se viu
beijar suas mãos e te fazer muito carinho
e enroscar meus dedos nos seus cachinhos
mas entendo se você estiver cansada...

uma música bem triste

era disso que você falava?

é isso que eu ouço agora em tons graves e livres de qualquer ruído
engraçado como eu os vejo se concretizando em atos falhos
que previmos
sem ritmo
nem sintonia.

e não adianta
nem isso nem aquilo
e mesmo assim
aqui.

e eu nunca serei o que você sempre quis

quando foi que eu disse pra você confiar em mim?

toda aquela indiferença

com raiva de sentir
fingindo não notar a vibração
sem encarar
só disfarçar
e calar.


com vontade de não ser
de desaparecer
camuflando nas moitas
escondendo dos olhos
e não das mãos.


sem saber como voltar
pensando em uma saída
pra tal loucura
uma cura
um afago que não cale o choro preso
e muitos suspiros.


desalento
desespero
todas as dúvidas e inseguranças
até o universo conspirando contra
uma heresia
um pecado
toda a culpa.


não há perdão
nem solução
e isso tudo
é pura difamação.


ah! vilão!

ah! meu amor!

o encanto acontece no primeiro ato,
depois,
são só desencantos encantados...

escassez

nessa miséria catávamos as migalhas de algo até então abundante que se misturava aos desejos pouco entendidos. compreendidos de alguma forma entre todos aqueles vestígios encontrados nos lixos alheios. o aterro já estava completamente lotado daquilo que procurávamos insistentemente.


interditado até o encontro acontecer...


estava tudo explícito mas não podíamos citar seu nome...


talvez a saída seja atear fogo...

espreguiçar

dançando porque...
assim fica leve vestir a carapuça.
assim fica mole escorregar pelo ralo.
assim fica mais fácil encarar os fatos.

dançando pois...
expressar os sentimentos, assim, não é atitude fraca.
expandir emoções, assim, é belo.
girar no mesmo ponto, assim, é pura habilidade.

dançando para...
que assim, não corte os pulsos de uma vez.
que assim, chegue nas nuvens com mais frequência.
que assim, meus pés calejados sirvam para alguma coisa.

dançando contudo...
e soltando, assim, o turbilhão no ritmo de oito tons.
e encarando, assim, o que vem pela frente.
e cantando, junto assim, com o que o medo faz esconder.

tão difícil

e quando a hora chega, oras!
chega também a sua intrometida visão raio x
e agora, os percevejos vão voar e não há como controlar...
essa chuva toda é para refrescar e clarear a tela,
para que àquelas ideias que dentro são infalíveis
explodam a vista de todos...
encarando careca e nua,
eu caminharei sem pudores nem vaidades,
porque não dá pra deixar para amanhã.



o tempo passa e nada muda

e tudo assim sempre tão bem,
que aquela dúvida
insiste em persistir...
existe algo verdadeiro?

momentânea

mesmo que sem conectivos
soluços
mesmo que longe
perto
mesmo que incerto
certo
mesmo que não assim
de alguma maneira
...enfim...

sobre fronteiras e rupturas

e quando não se pode mais fazer perguntas, 
e' melhor quebrar o relógio...
mesmo que forte, fra'gil.
mesmo que fra'gil, forte.

já que é tudo assim, nada vezes nada, vamos falar de futebol...

cara, quando rola um gol eu vou as nuvens. é como realizar um sonho, ou seja, é estar sonhando. isso, porque eu sou tão apaixonado, que nesses momentos me sinto um pouco amado, também. sabe...

vou aproveitar enquanto ainda estou na moda

ah! eu estou falando de linguagem!

pensamento e vida ... vida e pensamento

pensar significa descobrir e inventar novas possibilidades de vida, pois a vida ultrapassa os limites que o conhecimento fixa e o pensamento ultrapassa os limites que a vida fixa. 

eu posso pensar com atenção o que me é narrado a seu respeito (sua vida), pois descubro possibilidades de uma outra vida e sua simples narrativa dá-me alegria e força e derrama uma luz sobre a minha vida.

sou impulsionado por tanta invenção, reflexão, audácia, desespero e esperança através do conhecimento da sua vida e posso explorar pelo meu pensamento os domínios mais longínquos e mais perigosos da vida que observo e recrio.

o espelho reflexo que o outro reflete em mim é uma possibilidade além da minha vida. o que me concebe em outra vida, me mata em minha vida, e assim, vivo onde não sou chamado com a mesma intensidade com que vivo se fosse o que seu reflexo mostra em resposta a minha pergunta.

o que não passa de mentiras, mas que, no entanto, são sensações por elas despertadas e poderiam ser as mesmas de uma história real (a minha), assim como as emoções experimentadas ao me deparar com uma obra de arte.

mário quintana

"morrer, enfim, é realizar o sonho que todas as crianças têm... o motivo? só elas sabem muito bem: fugir... fugir de casa!"

(em velório sem defunto, 1990)

as vezes

eu preciso estar ali
e eu estou ali.
remoendo-me em mim mesmo,
meus sonhos,
meus desejos,
meus impulsos,
tudo tão meu,
que não faz sentido algum,
pra mim, estar ali.
encho-me até a tampa,
com tudo aquilo que sempre quis.
pistas que me beliscam fundo,
sinais de que é bem por ali mesmo.
luto contra,
invejo, critico, atrapalho,
e como pelas beiradas.
tentando entender
que é para eu estar ali,
mesmo que estando,
ainda duvide,
que trará algum resultado
que causará algum efeito.
expressão pelo olhar,
que não é fácil de identificar.
abra os olhos bem arregalados
e projeta o que a boca não consegue falar,
na sua tela de sombras e luzes...

vinícius de moraes

"O operário em construção

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo: - Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.

O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.

Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.

Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário
- Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.

Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.

De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.

O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.

Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.

Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção."

vinícius de moraes

soneto do amor total

amo-te tanto, meu amor... não cante
o humano coração com mais verdade... 
amo-te como amigo e como amante 
numa sempre diversa realidade. 
 
amo-te afim, de um calmo amor prestante 

e te amo além, presente na saudade 
amo-te, enfim, com grande liberdade 
dentro da eternidade e a cada instante.
 

amo-te como um bicho, simplesmente 
de um amor sem mistério e sem virtude 
com um desejo maciço e permanente.
 

e de te amar assim, muito e amiúde 
é que um dia em teu corpo de repente 
hei de morrer de amar mais do que pude.