mauro aguiar

"amálgama

quando a gente gama pela alma
algo novo se esparrama
salga o sumo do que somos,
do que fomos
tudo trama para o himeneu
do amálgama.

qualquer lugar é um lugar-regalou
um lago, um colo, uma afago
no ego ligado noutro ego ligado
noutro ego desigual.

o fogo que nos cega
é o mesmo que nos
lega a luz
num gole de sossego
à dois."

homem com h minúsculo:

que o machismo que sente, se transforme em câncer, pra que assim, você perceba e sinta na pele, o quanto ele é mortal.

augusto dos anjos

"a ideia

de onde ela vem?! de que matéria bruta

vem essa luz que sobre as nebulosas
cai de incógnitas criptas misteriosas
como as estalactites duma gruta?!

vem da psicogenética e alta luta

do feixe de moléculas nervosas,
que, em desintegrações maravilhosas,
delibera, e depois, quer e executa!

vem do encéfalo absconso que a constringe,

chega em seguida às cordas da laringe,
tísica, tênue, mínima, raquítica...

quebra a força centrípeta que a amarra,

mas, de repente, e quase morta, esbarra
no molambo da língua paralítica!"

lutando contra o sono

eu faço comida e como,
tomo um banho e cheiro-me,
visto uma roupa e danço,
passo um perfume e beijo-me,
abraço meu abraço
e assim brinco,
que sou,
uma parte sem mim.

...rosas amarelas e vermelhas, também

contornou uma falta de dedos
e daquelas mãos enrrugadas pelo tempo,
recebeu as bençãos e unções da passagem,
e deu sua mão de apoio àquelas pernas, ainda firmes.

clareou os ouvidos e olhos e assim,
enxergou-se refletida naquela água turva e escura,
depositou e embalou aquelas pétalas amarelas,
empurrou-as ao horizonte.

pensou no futuro,
percebia-se uma mulher
com a magnitude de harmonizar
e deixou o vento passar.

abraçada àqueles galhos cheios de espinhos,
que não machucavam mais,
percebeu que as palavras não cabiam ao momento,
a interação acontecia de outras maneiras.

expandiu-se em energia amarela,
tinha um sol brando dentro de si
e nuvens no céu que refletiam-na,
percebeu-se compreendida.

estava contida naquela antiga roseira,
era um galho com espinhos também,
misturada naquele emaranhado,
pendia para baixo e pensava na sua extremidade frágil,
reconhecia-se.

entendia sua fuga anos antes,
compreendia seu impulso impensado,
lembrava de momentos da infância,
sentia certa culpa pelo abandono,
sabia que era, na verdade, uma guardiã.

relembrou que é amarela desde criança,
e sorriu ao pensar no passado
e naquelas histórias desgastadas,
sentiu carinho.

viu uma tragédia e imaginou-se no caminho certo,
tinha claridade nas idéias,
estava pronta, reconheceu suas verdades,
liberou seu olhar ao belo,
estava cansada de determinismos,
questionou com calma e brandura,
expressou o seu eu,
pediu libertação e libertou-se.

emaranhada naqueles espinhos tão meus.

rosas amarelas

ela queria flores e cores, seus galhos pendiam, pediam. aquelas eram reflexões de uma vida que seguia, reconhecimentos esquecidos em alguma parte desses quatro anos, guardados tão bem que achavam-se perdidos. carregava dentro de sí todas aquelas respostas, estava salva e poderia seguir sem medo e sem documento. não temeria mais aqueles fantasmas futurísticos, vestidos de neon. tinha flores nos galhos, seus braços estavam carregados e as pernas já eram firmes e duras, continham a firmeza de seus vinte oito anos. raiz grossa e funda. não temia mais, pois, tinha lembrado-se dos abraços e beijos recebidos e guardados na epiderme. todos aqueles, tantos carinhos que transbordou e reviveu com amor, recebeu novamente. não fez cara feia como era de praxe, os seus sabiam que aquilo era só disfarce, ela carregava o amor do mundo. e as vezes pão dura escondia, temendo que acabasse. lembrou, também, que uma vez amado, ama-se pra sempre e pode respirar com leveza, sentiu-se em casa, estava feliz, sorria pra sí.

sophia de mello breyner andresen

"apesar das ruínas e da morte,
onde sempre acabou cada ilusão,
a força dos meus sonhos é tão forte,
que de tudo renasce a exaltação
e nunca as minhas mãos ficam vazias."