sem espaço pra verbo intransitivo

o frio da manhã
lembra o processo esquecido
felizmente revivido

notas delicadas
brotam das sementeiras
pingando leveza

fecham-se ciclos
iniciam-se vícios
abandona-se malas
adorna-se espaços

utopicamente
une-se ao coro de vozes
sem explicar

liricamente acompanha
o movimento por vezes sutil
de ir e vir sem devir

reconhece o não querer
está mais fácil viver
assim sem você

murilo mendes

Apresentação do recém nascido; em O Visionário.

A pedra abre os olhos mansos de novilha
Quando a criança nasce no mundo da foice e do martelo.
Deus não sorri nas dobras azuis do quarto
Porque o vento que vem das usinas
Impede que a eternidade passe.
Criança, que vens fazer no mundo soluçante,
Se a luz não é mais luz, a alma não é mais alma,
Se a cor branca sumiu nos hinos de protesto?
Some, criança, desfaze-te em mar, em tango, em ventania;
Faze a pedra calar; as pedras que te trazem
São palmas de aço, o homem chorou para fazê-las;
Um corpo elétrico te espera numa curva do mundo
Para te derrubar quando tiveres dezoito anos,
Como já derrubou teu pai e tua mãe
Que são a fotografia inanimada do que foram.

e agora?

mesmo tubarão
difícil estar entre outros

Valas

Poderia meu bem
parecer uma overdose de loucura
lucidez talvez
nao sei dizer

E por nao saber
apareciam flores de outras cores
nem tao brilhantes assim

Combinacoes de ontem
hoje tal qual sempre
duetos envoltos em folhas verdes

Pudores e outras dores cadentes
de  olhos nem sempre sapientes
trotes e dropes

Entope

resgate de tesouros nunca vividos

eu sinto saudade de um tempo que não vivi, de um cheiro que não cheirei e de um toque que não dei. vergonha estranha de não conseguir realizar o que realmente foi vivido por mim. duras regras da tradução entre as linguagens, entre os tempos. postura otimista diante desses fatos e outros tratos: caminho certo pra criação empírica. onde me levará essa retidão? a quem? aquela língua solta e atrevida embolada entre meus miolos ou aquela indecisa e sedutora carecida de atitude entre meus dedos? eu refém, matéria prima disso tudo, sentirei qual carícia leve a lembrança de tempos esfumaçados, vividos por outros mundos. traços curvilínios interessam mais. com carinhos meus. 

tal qual

ele se entrega muito mais que eu
comunica-se agressivamente
entre meus impulsos

empossada emoção evapora
ventania passa rente
e não sente

inconsequente emoção extrapola
ventania passa rente

e pressente

exala seu odor intransigente
reconhecido capuz da vaidade
culhões obedientes

meu desejo tímido carece
de sabor
inconsciente

é

ele se entregou muito mais que eu
comunicou-se agressivamente
entre meus impulsos...

hilda hilst

o tempo e sua fome.
volúpia e esquecimento
sobre os arcos da vida.
rigor sobre o nosso momento.

o tempo e sua mandíbula.
musgo e furor
sobre os nossos altares.
um dia, geometrias de luz.
mais dia nada somos.

tempo e humildade.
nossos nomes. carne.
devora-me, meu ódio-amor,
sob o clarão cruel das despedidas.

ainda vivo

eu durmo acordada
ele sonha de dia
eu brinco na rede
ele faz poesia
eu conto as horas
ele faz melodia
eu procuro o chão
ele tonto até guia
eu acho que vou
ele vem com bom dia

agora ta

e assim dividida
nem lá, nem acolá
tive que encontrar meu porto
longe de qualquer lembrança
... aqui

sementes que brotam

fui resgatada do fundo do baú
entre os dedos trouxe comigo
um papelzinho bem amassado
esquecido rabisco inacabado

enroscada num galho forte
me apresentei amarelada
diante da frondosa árvore
conhecida fonte geradora

molhada pela genuína inspiração
mesmo sem muita força pra sugar
fui nutrida de pulsão de vida
e consegui abrir os dedos

manifestação

lancei pelas janelas pétalas de jasmim
e costurei os galhos com fitas brancas
iguais daquelas esvoaçadas linhas de algodão
rasgando seda por aí...

o passado bate a porta

pensei em te contar meu segredo
aquele que guardo de mim mesmo
e só encaro de luzes apagadas
e olhos fechados.

te encarei buscando uma abertura
que encorajasse tal loucura
um pensamento juvenil
protesto em marcha.

sem resposta ou incentivo
notei entre as rugas
pequenas gotículas de água
suor lavado em lágrimas.

aliviei-me no branco da mente
viajei com a postura ereta
e fui encontrada pelas lembranças
esquecida poeria embaixo do sofá.

soprei fortemente e acabei inalando-a
causando espirros incontroláveis
alergia minha entre ácaros
tonteira de pressão baixa.

zonza gritei quase inconsciente
frases feitas de poetas anônimos
e senti-me representada
confiei na bondade dos desconhecidos.

quando a campainha tocou
devagar divaguei até a porta
e o olho mágico me revelou
o que não tem mistério.

entendi que meu segredo escancarado
não precisa de definições e afins
esta claramente pintado
em cores que eu não sei o nome
e que dizem muito por mim.

o blues é assim, baby

eu tentei inúmeras maneiras
coexistir com aquele sentimento
mas não deu
tive que matar-me.

te perder parece erro

te perder dá medo
parece erro
o vazio no peito
aperta fundo
abismo certeiro
de busca eterna

voo nessa

o passado me chama em sussurros
pelas frestas da janela
entra uivando
como cão em noite de lua cheia

eu presente
esbarro em memórias puras
e retribuo com meu canto
prateado sonido mudo
latente

imagino suspiros novos
expectativas do nunca
momentos que terei
escorrem por baixo da porta

e assim
voo nessa nuvem de fumaça
toda vez
que me cheirar

carlos castanheda

"eu prefiro a liberdade de ser totalmente desconhecido
do que ficar preso no pensamento dos outros"

transformar o tédio em melodia

desafia que o aconchego
acredita
pressentimento valente
desatina a magia
vem logo
não me avisa

desprevinida
é de estar
que eu gosto mesmo
não me avisa

mais sedutor
imensamente
é que o papel tem sido
não me avisa

ousando o verdadeiro
descomedida
sendo totalmente insana
não me avisa

depois vira

seu tempo passou e você nem viu

ninguém mais lembra o que foi dito, ninguém mais lembra.
desnecessária repetição. dito, lembra?

fala

ao encontro de todos os paradigmas sociais
uma consciência enlouquecedora

camadas

sempre me intrigou como as mulheres gostam de cavar a terra.

eu gosto mesmo é de vida real

e talvez mais que nunca, mais que sempre
eu mereça essa chance
de ser leve, de ser love


"Enfim, o documentário existe para documentar o impossível, o que não se pode documentar. O desafio é exatamente este: filmar o que se vê para mostrar o que não pode ser visto." Geraldo Sarno

bendita chuva

lava os olhos
faz correnteza
e abre caminhos

traz pro presente

quase pressente
um futuro esquecido

o novo horizonte

venta sonhos
e outros desafios

delicado arrepio
causa sinceridade
a tal liberdade

os carinhos ecoam
e reverberam
em carinhos

num céu nublado
...

coragem mulher

assim inerte, com a mente inquieta e o coração apertado, encare os sentimentos mais profundos com novos olhares, menos castradores e mais amistosos. eles gritam por coragem! abra as asas e vente suas verdades, mesmo quando muros duros insistirem em não mudar os rumos. rumos esses que também precisam e querem espalharem-se, pelo vento de suas asas, sem medo, assim em movimento.

além do que se sente

não pude agir como de costume
ao te ver tão frágil assim
algo sincero se revelou pra mim
por detrás da sua mesma imagem

o toque evitado deixa espaço a outros sentidos
e os olhos fixos se reconhecem à distância
uma mudança de hábito, de perspectiva
sem tantos medos e cobranças internas

parece que o tempo se acalmou
e as dúvidas se preencheram por si só
sem a coragem dos lobos mas com seu faro
me arrisco a dizer que já posso sorrir pra ti

em águas profundas

em meio aos fracassos do labor
alguns poemas de amor
e tudo que eles merecem...

quase antropofagia

enquanto recorto pedacinhos seus
me engrandeço de sua alma
e assim
me retrato em ti

tudo que ela me diz
tudo que eu sei dela
que já vivi com ela
vive nela
é ela
sou eu

por nós

luxação

é fácil fechar os ouvidos
ignorar os gritos dela
que insiste
pede socorro
desfalece
enraivece

numa luta
entre o grande mar
e o rochedo
que burra dura
e faz vagarosamente
seu furo
eterno portal

meu bem

abra os olhos
abra os olhos
meu bem
é preciso ir além
a fragilidade é lembrada
por pedaços machucados
sensíveis nervos nocauteados
trincados, rasgados
bem me quer
mau me quer
escuta os sons da tempestade
os trovões de thor
as multidões cantando
as maritacas em bando
escuta e enxerga
as cores das nuvens
os brilhos ocultos
as curvas que fazem os ventos
e assim
tente compreender
qual parte te cabe
desse latifúndio.

ela só pensa

sem saber viver o eterno
brincamos de instante

de quando
já não sei
pra onde
já vou indo

me disseram:
amor nascido na sexta de carnaval
dura a vida toda...


é universo

eu tentei
e não consegui

assim

cujo único ponto em comum
é a ausência de pontos em comum.

joga a corda, por favor?

versos confortáveis
falsas verdades
na superfície
realidade

rimas perfeitas
sílabas metrificadas
no ritmo
descompasso

vozes desafinadas
socorros sussurrados
meu fundo
no poço

do vapor ao líquido (quando jaz em terras)

é incrível o poder das nuvens
e das turbinas
também das rodas e freios.

me dê músicas, por favor?

não tenha medo
apesar da ansiedade ainda morar aqui
já consigo brincar com ela
tanto que quando ela aparece
assim de supetão
embalo-a em nossas canções
e dançamos à sua espera

baudelaire

embriaguem-se

é preciso estar sempre embriagado. aí está: eis a única questão. para não sentirem o fardo horrível do tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso. com quê? com vinho, poesia ou virtude, a escolher. mas embriaguem-se. e se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: "é hora de embriagar-se! para não serem os escravos martirizados do tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso". com vinho, poesia ou virtude, a escolher.

como o tempo vai o vento vem

eu não posso me perder!
eu não posso me perder!
eu não posso me perder!