o estrangeiro

há algum tempo, venho me sentindo sem casa, como um cidadão do mundo, e com isso, sinto uma saudade que eu não sei dizer de onde é. uma vontade que eu não sei de quê. penso, que pode ser de uma sensação de segurança, proteção, de amor. desde muito pequeno sinto uma esquisita sensação. é uma vontade que vem do fundo do peito e que me faz, sempre, querer ir além de onde estou, de romper fronteiras. essa vontade cresce a cada dia, sem parar. há momentos, que ela toma forma e força e consegue me levar pela mão por caminhos desconhecidos. dentro do mundo, identifiquei meu papel, e ele é solitário. vendo as imagens e símbolos coletivos produzidos, sinto uma certa vontade de participar, de estar envolvido nesse meio, mas, como meu papel de clandestino foi escolhido, e é ele mesmo o que eu quero. seguirei em frente, à margem. perdido en el corazón, de la grande babylon.

a sede de ti...

músicas se repetem
poemas novamente presentes
e a sede de ti
prossegue

fernando pessoa

"tenho dó das estrelas
luzindo há tanto tempo,
há tanto tempo…
tenho dó delas.
não haverá um cansaço
...das coisas,
de todas as coisas
como das pernas ou de um braço?
um cansaço de existir,
de ser,
só de ser,
o ser triste brilhar ou sorrir…
não haverá, enfim,
para as coisas que são,
não a morte, mas sim
uma outra espécie de fim,
ou uma grande razão
qualquer coisa assim
como um perdão?"

o lugar do observador, por francesco casetti

"em vez da oposição entre dois polos, a modernidade parece atribuir à relação do observador com o observado uma dependência mútua. o observador participa do destino do observado. move-se no seu terreno, mas entrelaça seu destino com o objeto do seu olhar. acaba perdendo também sua posição privilegiada, de maneira que se mistura com o que observa, ou o que o cerca."

amendoim de chocolate

a casca é dura,
dificil abrir,
dificil penetrar.
o recheio é mole,
fácil escorrer,
fácil misturar.
a casca guarda,
o recheio é guardado.
a casca não quer abrir,
o recheio quer expandir.
a casca faz cara feia,
o recheio docemente sorri.
ela tem medo de despedaçar,
ele sonha derramar.

carlos drummond de andrade

"ausência

por muito tempo achei que a ausência é falta.
e lastimava, ignorante, a falta.
hoje não a lastimo.
não há falta na ausência.
a ausência é um estar em mim.
e sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim."

minha testa, um outdoor

em dias de melancolia, me deixa aqui sozinha.
nos de alegria, um convite pro sem fim!
naqueles angustiosos que nunca acabam, mil docinhos quero sim.
nos dias tristes e nublados, nem vem que não to afim.
nos de pura euforia, me segura serafim!
nos trabalhosos e cansativos, me carrega com você.
nos de folga, me leva que eu vou feliz!
em dias de chuva, guarda chuva com carinho.
nos de sol, vem pra cá que eu to facim.
nos de volúpia, chama o bombeiro pra mim.
nos de jardineira, galanteios floridos por aí!
naqueles de cantora, toca uma pra mim?
quando acordo com nariz vermelho, uma piada pra sorrir.
naqueles com encontros marcados, o painel neon brilha com classe.
nos dias depois de uma insônia, nem brilha tanto assim.
nos de dançarina, pela mão é só puxar.
naqueles de barraqueira, melhor nem falar.
nos dias de atiradora de elite, cuidado pra não cair no laço.

forough farrokhzad

"detrás da janela, 
é a noite que treme 
e é a terra que para de girar.
detrás desta janela, 
um desconhecido inquieta-se 
por mim e por ti."

por não estarem distraídos, do livro a descoberta do mundo por clarice lispector

"havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. como eles admiravam estarem juntos!
até que tudo se transformou em não. tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. então a grande dança dos erros. o cerimonial das palavras desacertadas. ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. no entanto ele que estava ali. tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso.
tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. tudo, tudo por não estarem mais distraídos."

doce ilusão

levante a cabeça, fofura! relaxe.
estou de frente pra você.
abra os olhos, querida! me encare.
estou de frente pra você.
olhe nos meus olhos, doçura! me enxergue.
estou de frente pra você.
abra um sorriso, meu amor! me beije.
estou de frente pra você.
sinta meu calor, minha vida! me abrace.
estou de frente pra você.
inspire fundo, meu bem! respire comigo.
estou de frente pra você.

pernas trêmulas

involuntárias
descontroladas
balancê
bate joelho
treme terra

pernas trêmulas

ontem, meu olhar, fazia cliques por onde olhava.

o vento levando os cabelos da mulher que adimirava o movimento, feito por ele mesmo, numa poça de chuva.
o encontro na madrugada de um casal numa longa e escura rua. ela, vinha embaixo do guarda chuva e ele, com as mãos nos bolsos do casaco e com capuz na cabeça. andavam um ao encontro do outro, na cadencia da chuva que caía constante e leve, leve chuva...
pela falta de luz, o jogo de sinuca estava à luz de poucas lâmpadas, o que misturava a todos na penumbra, exigindo movimentos lentos, olhares demorados, pupilas dilatadas. a chuva caía, hora forte hora leve, na rua e da janela ouvíamos o seu som e víamos sua cor. o dono do bar, com barba na cara e um olhar risonho, de malandro gatuno, deixou o gerador tomando conta das cervejas. as músicas cantadas por três bebados felizes entoavam cada tacada. a ligação ao fim da noite, daquele que busca amores efêmeros e se contenta com eles.
ontem, meu olhar me mostrou várias formas de intensificar momentos e são essas formas que fazem a diferença na lembrança de cada um deles.