você quer provas?

eu também.

carlos drummond de andrade

o seu santo nome

não facilite com a palavra amor.
não a jogue no espaço, bolha de sabão.
não se inebrie com o seu engalanado som.
não a empregue sem razão acima de toda razão (e é raro).
não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
não a pronuncie.

relacionamento ou negócio?

é porque não adianta você querer demais, para funcionar, é preciso que você seja demais. como uma parte essencial pro movimento, que gera contribuição. se não, ficarás à contemplar de um mesmo ponto, indeterminadamente, até que caia um raio em sua cabeça e transforme em cinzas, um sol que nunca brilhou. a faísca que gera uma única chama, justamente, no ato da libertação, a morte. que essa resistencia seja pra outros fins, no relacionamento interpessoal, a melhor opção é ser sentimental.

carlos drummond de andrade

o pleno e o vazio

oh se me lembro e quanto.
e se não me lembrasse?
outra seria minh'alma,
bem diversa minha face.

oh como esqueço e quanto.
e se não esquecesse?
seria homem-espanto,
ambulando sem cabeça.

oh como esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correntezas iguais
e simultâneos enlaces.
mas como posso, no fim,
recompor os meus disfarces?

que caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?

gênese

me olhei no espelho,
reconheci no olhos, nos cabelos, nos sonhos.
e depois de muitos murros no peito e lágrimas no rosto,
me vi como um elo, eu sou o elo!
sem traições nem rompimentos, eu vou até o fim...
e continuarei, sendo, até o fim...

vou mergulhar

e depois, de ver a lua brilhar alta,
vejo agora, o sol irradiar atrás das nuvens.
daqui de baixo,
nessa chuva de lágrimas,
entre o frio e a brasa,
vou sem asas, e pra que?
já sei nadar...

sebastião da gama

"sorri, sorriste. o mundo era pequeno. mas bastava. cabia nele, intacto, o encantamento pleno que te detinha ali, junto de mim, que nos detinha ali, serenos, puros, longe da multidão, longe do tempo - rio que passava ao largo e nós ficávamos."

querendo ser demais, eu fui de menos

uma super produção de si mesmo, e eu aqui, com esse rabisco em branco e preto.

...y que sea lo que sea...

um temporal caindo,
ora água ora granizo,
e eu me molhando,
com o guarda chuva quebrado,
deixando-me molhar.

um tonto

parei de beber
e saio pra bares 
mais vezes que antes.
vez por outra,
ao redor das mesas,
procuro acompanhar o ritmo,
que muitas vezes desentoo
e faço graça pra reparar,
não passo de um chato.
tento envolver meus camaradas,
com as voltas da sobriedade,
quero agradar os tontos alegres
e eles vão pra outro lado,
fingindo não ouvir,
o meu papo chato.
sozinho na mesa,
não raro quero um trago
e bebo escondido de mim,
essa maldita cachaça,
que me deixa enjoado.
ao fundo da garrafa vou,
e agora já sou trapo,
são tantos papos, tontos sapos
e o tonto chato papa tanto,
que os tontos alegres voltam
e fingem perceber,
que a garrafa está ali
e eu não.

samambaia

sim, eu sou forte,
luto e saio no tapa se preciso
for.
mas é que, ando meio caído
e pelos cantos me sentindo confortável.
deve ser aquela vontade,
de admirar mais do que atuar,
ser planta sem flor, sabe?

carlos drummond de andrade (1942)

"lutar com palavras é a luta mais vã. entanto lutamos mal rompe a manhã. são muitas, eu pouco. algumas, tão fortes como o javali. não me julgo louco. se o fosse, teria poder de encantá-las. mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para o meu sustento num dia de vida. deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem sevícia que as traga de novo ao centro da praça."

(re)encontros

conhecer alguem é conhecer-se, construir.
simpatizar com alguem é reconhecer-se, reconstruir.
compartilhar, redescobrindo detalhes e, a partir do lembrado, ser o que já se é.
uma explicação pros que procuram, isso é amor e qualquer semelhança com a realidade, é pura ilusão de ótica.
atenção, quando acordar, não se iluda.

aquela antiga dedicatória...

um presente velho como o sentimento.
perdeu o brilho, desgastou a capa,
amassou e amarelou as páginas,
amargou e apagou as palavras.
nem por isso está morto,
é velho e vivo, ainda vivo.
o presente pulsa, pulsa o presente.