murilo mendes

Apresentação do recém nascido; em O Visionário.

A pedra abre os olhos mansos de novilha
Quando a criança nasce no mundo da foice e do martelo.
Deus não sorri nas dobras azuis do quarto
Porque o vento que vem das usinas
Impede que a eternidade passe.
Criança, que vens fazer no mundo soluçante,
Se a luz não é mais luz, a alma não é mais alma,
Se a cor branca sumiu nos hinos de protesto?
Some, criança, desfaze-te em mar, em tango, em ventania;
Faze a pedra calar; as pedras que te trazem
São palmas de aço, o homem chorou para fazê-las;
Um corpo elétrico te espera numa curva do mundo
Para te derrubar quando tiveres dezoito anos,
Como já derrubou teu pai e tua mãe
Que são a fotografia inanimada do que foram.