ensaio sobre a cegueira (cena do filme dirigido por fernando meirelles com roteiro baseado no livro de jose saramago)

"Tem uma cama sobrando no seu dormitório? Tenho um rádio.

Já não tem tantas estações como antes, mas, se insistem, posso deixá-los a par. Ao menos economizamos bateria.
Nas primeiras 24 horas foram centenas de casos, dizem. Sempre igual, sem dor. Um mar branco. A reação do governo foi, como sabem, decisiva a primeira das quarentenas improvisadas, mas, esse sonatório abandonado dava uma imagem negativa. Não sabiam ainda se a causa era neurológica e durante dias todos acompanharam seminários e mesas-redondas com especialistas do mundo todo, alardeando sua ignorância. Foi publicada em uma revista internacional que era precipitado falarem uma cura, mais pesquisas e mais dinheiro eram necessários. Um argumento que foi ilustrado de forma dramática. Semanas se passaram e com o debate incessante a cidade voltou a rotina normal, alheias aos fatos em toda a parte de que a doença era imune a burocracia. Mas aí, um acidente de ônibus resultou em 23 mortes, no mesmo dia, dois aviões cairam. É dificil dizer se a cegueira era a causa dos acidentes. Todos ficaram apavorados. O pânico espalhou a cegueira ou a cegueira provocou o pânico. As mortes se multiplicaram. Todos decidiram ficar em casa e os problemas de trânsito foram resolvidos. 

Talvez precisemos mesmo de um pouco de música...

E pelo tempo de uma canção o reino dos cegos se espremeu ao redor de uma rádio am. Só podemos imaginar as cabeças inclinadas, os olhos abertos, as lágrimas. Para que perguntar se eram de alegria ou tristeza? Alegria e tristeza não são como óleo e água, elas coexistem."